O mais longo ciclo de crise da produção láctea global dos últimos dez anos pode ter chegado ao fim. O preço do litro de leite pago ao produtor no mercado internacional, que chegou a 22 centavos de dólar, recuperou-se nos últimos meses e alcançou o valor histórico de 38 centavos de dólar em junho.
A tonelada do leite em pó, que no pior momento de 2016, custava US$ 2.000,00, já está sendo vendida acima de US$ 3.100,00 no mercado internacional (Gráfico 1). A constatação é de três cientistas da Embrapa, especialistas em Economia. O analista da Embrapa Gado de Leite Lorildo Stock diz que as crises no mercado global de lácteos são cíclicas. “Geralmente ocorre um ano ruim para cada dois anos positivos, mas a crise que superamos durou 30 meses”, conta o pesquisador, que acrescenta: “até então não se havia registrado um período negativo que durasse tanto tempo.”
No Brasil, a crise teve como consequência uma retração de 3,7% da produção formal no ano de 2016 em relação a 2015, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A produção brasileira de leite decrescer é um fato inédito”, conta o pesquisador da instituição João César Resende. A queda da produção nacional foi motivada pela crise interna e pelo alto custo dos insumos. Além disso, os preços competitivos do mercado externo estimularam a importação de lácteos. No ano passado, o País acabou importando 8% do seu consumo. Com a alta de preços lá fora e a queda do custo do concentrado, a produção interna está sendo estimulada e a tendência é que o setor se recupere, voltando a crescer a taxas de 3% a 4% neste ano, afirma o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Glauco Carvalho.
Embora em 2016 o preço do leite pago ao produtor no Brasil tenha se mantido, em média, 12% mais alto do que no resto do mundo, a situação aqui não foi das melhores. A quebra de safra de grãos em 2015 e o dólar alto elevaram o preço do concentrado e a margem de lucro ficou estreita (Gráfico 2, abaixo). Este ano, o cenário mudou: a safra recorde de grãos em 2016/2017 fez com os custos caíssem. Embora os preços ao produtor estejam mais baratos, a margem de lucro neste ano está 40% mais elevada do que no ano anterior. Bom para o produtor, que está ganhando mais; bom para o consumidor, que compra o produto mais barato. O preço médio do leite longa vida vendido nas gôndolas de supermercados e padarias ficou, em média, 6% mais barato este ano. Em junho, segundo dados do Instituto de Economia Agrícola de São Paulo, já se comprava um litro de leite longa vida a R$3,23 (em junho de 2016, o preço era de R$3,76). A tendência é que o produto barateie ainda mais a partir de setembro, com a chegada do período das chuvas e o fim da entressafra, quando as pastagens se recuperam e a necessidade de grãos na alimentação animal diminui.
Causas da crise
Mas o que motivou a crise mundial no setor? Segundo Stock, que em junho esteve na Alemanha para conferência do IFCN Dairy Research Network − rede mundial que compara a eficiência das fazendas leiteiras −, a crise se deu por excesso de oferta. Em 2012, havia pouco leite em pó nos estoques mundiais fazendo com que o preço se elevasse nos dois anos posteriores. O produto valorizado foi o sinal para que os fazendeiros incrementassem a produtividade. Em 2015, a Europa extinguiu as cotas, que fixavam patamares de produção. Sem amarras, os produtores europeus somaram mais leite ao ‘tanque mundial’, que já estava cheio pelo leite que vinha das fazendas australianas e neozelandesas. “Isso fez a crise se intensificar, e o que era para ser um ciclo curto acabou durando 30 meses”, avalia Stock.
Como impõe a lei de oferta e procura, o ímpeto dos fazendeiros teve que diminuir. Preço global baixo e elevado custo de insumos (além de um mercado sem muito ânimo para comprar) fez a produção recuar. O efeito pós-extinção das cotas europeias foi se acomodando, os estoques de leite em pó diminuíram e o preço se recompôs, retornando à sua média histórica. “A expectativa é que o preço internacional se mantenha em torno de 35 centavos de dólar”, calcula Stock. “A recuperação do setor ainda é moderada, mas o crescimento tende a ser sustentável”, diz.
Até uma década atrás, variações de preço do produto eram mais tímidas, ficando entre 15 e 20 centavos de dólar. “Agora, as variações são como ‘tsunamis’ que atingem a economia em escala global”, ressalta Stock. A razão disso é a própria evolução do mercado de lácteos. Por ser altamente perecível, num passado recente, o produto ficava circunscrito aos mercados regionais. De duas décadas para cá, a globalização da economia se intensificou e a Ásia – sobretudo a China – se transformou em grande comprador, fazendo com que o mercado de lácteos atingisse um novo patamar. O mundo acordou para o leite, que ganhou status de commodity.
No entanto, o setor lácteo é incapaz de dar respostas rápidas ao mercado, como outros setores da economia. Se a demanda mundial é por mais leite, não basta apertar um botão para a vaca produzir mais. Do ponto de vista nutricional, as dietas já são bastante ajustadas e não há como aumentar a produção, modificando a alimentação dos animais. O produtor precisa investir no crescimento do rebanho, o que leva tempo: entre a bezerra nascer e começar a produzir são quase três anos. Ao contrário, se a demanda se retrai, diminuir o plantel, transformando o rebanho leiteiro em corte, pode significar abrir mão de um alto investimento em genética diferenciada e manejo. Para o consumidor, a questão é ainda mais delicada, pois o leite é um produto que não possui substitutos. Se o preço do leite e derivados está alto, ninguém pensa em trocar iogurte por refrigerante, por exemplo.